Ano passado assisti a um filme da Pixar chamado DivertidaMente e fiquei completamente pasma de como conseguiram com tanta simplicidade e, ao mesmo tempo tanta profundidade, explicar o que se passa na mente de uma criança e nos remeter à nossa própria infância. Pra quem gosta de psicologia é um prato cheio!
O título original do filme é “Inside Out” que significa, ao pé da letra, “de dentro pra fora”. O filme relata a jornada da jovem Riley e sua trajetória desde a infância até o início da adolescência, através da personificação dos 5 principais sentimentos dentro da sua cabeça que funciona como uma Sala de Comando, o Ego: Alegria, Raiva, Tristeza, Medo e Nojinho. Cada um deles é responsável por certas características da Riley e têm uma cor específica na trama.
Logo que a Riley nasceu, ao abrir os olhos, surge o primeiro sentimento, a Alegria, ao ver o amor pelos olhos de seus pais. Tão logo vem o choro, e a Tristeza aparece em seguida. Durante grande parte do filme a Alegria tenta de todas as formas afastar a Tristeza da Riley, mas chegará uma hora em que ela mesma verá que é impossível, pois a tristeza faz parte da construção do nosso ser. Com o passar dos anos as outras personagens vão aparecendo e o painel de comando fica cada vez mais complexo.
As personagens principais
A Alegria, representa o bem-estar, a positividade e a auto-estima. Sempre que está acontecendo algo legal, que precise da auto-confiança e liberdade de ser, ela entra em ação. Ela também aparece quando algo que ela julgue de muito valor aparece, mesmo que seja comer de “aviãozinho” 🙂
A Tristeza em azul (denotando o “blue” que significa ao mesmo tempo a cor azul e a tristeza em inglês) representa o desconforto, o negativismo, a culpa e a incompreensão. Está sempre querendo fazer parte do inconsciente da Riley e diversas vezes se vê negada, sem poder se expressar completamente.
O Medo, em lilás, ajuda a Riley a se proteger, dando-a mais segurança. Entra em ação sempre que a Riley se encontra em perigo, como que por auto-preservação, ensinando-a a respeitar e encontrar os limites. Também gosta de fazer uma lista das coisas que podem dar errado.
A Raiva, em vermelho, claro, traduz a compreensão dos limites, a revolta, impulsividade e agressividade. A raiva também é uma emoção importante em nossas vidas, principalmente quando estamos inertes frente às dificuldades da vida. Ela nos faz agir!
A Nojinho, em verde, representa a aceitação tanto de comida quanto de experiências sociais e evita que a Riley se “envenene” dos aspectos ruins da sociedade. Ela aparece pra tudo que é repulsivo ou indesejáveis, mesmo que seja comer brócolis!.
O filme nos mostra como cada uma de nossas emoções é importante na construção da nossa personalidade e como reprimi-las pode nos levar a consequências drásticas. Desde o começo do filme o papel da Tristeza nunca é compreendido ou aceito. A Alegria sempre tenta afastá-la do painel de comando e das memórias, achando que a Riley nunca vai precisar sentir tristeza na vida.
As ilhas de personalidade
As memórias são impregnadas de emoções, simbolizadas por círculos coloridos, de acordo com o sentimento principal na qual ela é representada. Isso remete ao que Carl Jung chamou de Complexos (tive que fazer uma pequena pesquisa em psicanálise ) e são ativados inconscientemente. No filme, estes Complexos são representados por ilhas que se localizam em volta da sala de comando. São elas: ilha da Bobeira, do Hockey (esporte), da Honestidade, da Amizade e da Família. Elas são o centro da personalidade e fazem da Riley, a Riley.
As principais mudanças
No filme a gente percebe que estão acontecendo duas mudanças significativas na vida da Riley. A primeira é externa, a mudança de cidade, a segunda é interna, a transição da infância para a adolescência. A mudança de cidade vem como uma bomba na vida da Riley que tinha tudo em perfeito funcionamento e sob controle. Mudar de cidade significa deixar pra trás algo que ela julgava ser bom. É sair de algo controlável para algo que foge do seu controle.
Quando ela chega na nova casa, vem a primeira decepção. Não é nada daquilo que esperava, principalmente ao ver um rato morto no fundo da sala, que já simboliza o luto de algo que ela perdeu ou está perdendo. Então a Raiva, o Medo e o Nojinho começam a manipular o painel de comando e a Alegria, querendo apaziguar tudo, age como se estivesse negando a realidade.
Na escola a mesma coisa. Ela se dá conta de tudo que deixou pra trás e dos amigos que tinha e inesperadamente começa a chorar na frente dos novos colegas, causando grande constrangimento. A negação de algo que não nos satisfaz é um processo natural do luto, como que uma auto-proteção. O problema é quando essa negação se prolonga e impede você de ter contato com suas próprias emoções, especialmente com a dor que é essencial para que o luto seja feito.
Na sala de comando
Sempre que alguma memória boa é relembrada, a Tristeza tenta, sem querer, tocá-la e acaba as “manchando” de azul, o que deixa a Alegria impaciente, proibindo-a de tocar em qualquer uma. Isso pode nos mostrar a força que a emoção tem, podendo ser capaz de mudar a carga afetiva de uma mesma memória. Por questões da trama do filme, a Alegria e a Tristeza acabam discutindo e são lançadas fora do sala de controle juntamente com as memórias-base, as mais importantes e que dão origem às ilhas de personalidade. Nesse ponto, a Riley perde parcialmente a sua identidade e fica um tanto apática, sem reação. Tudo em sua volta perde a cor.
É hora de mudar
No processo de saída da infância, algo importante ocorre com todos nós: a desmistificação do pai-herói. Riley não consegue entender como o pai pôde fazê-los mudar de cidade, simplesmente anulando o sentimento dela. Vemos na história que seus pais não estão muito bem preparados para agirem empaticamente com esse processo de amadurecimento. Na humanização dos pais, nós nos tornamos heróis de nossa própria história. A reação da Riley é infantilizada, regida pelas ilhas construídas na infância, mas agora é hora de abalar essas ilhas e construir novas.
É preciso que algo termine para que o novo surja
A primeira ilha a ser desintegrada é a ilha da Bobeira. Nada mais tem graça na vida de Riley. Ela briga com sua melhor amiga pela internet e a ilha da Amizade se vai. Nesse meio tempo, Alegria e Tristeza, perdidas no inconsciente, encontram um amigo-fantasia de quando ela era uma criancinha chamado Bing-Bong. A ilha do Hockey cai em seguida junto com a terra da imaginação. Riley vai, aos poucos, deixando de ser criança.
Existe um momento em que o Bing-Bong percebe que ele não é mais lembrado pela Riley e é a Tristeza que o consola, não a Alegria. Ele pode assim chorar e expressar seus sentimentos e sente-se muito melhor depois que tira o peso do peito. É a partir daí que a Alegria começa a perceber que a tristeza pode ter um papel importante na vida das pessoas.
Enquanto isso…
Na sala de comando quem entra em ação é a Raiva, fazendo com que a Riley, infantilmente, decida roubar os cartões de crédito de sua mãe, sair de casa pra retornar à cidade que morava, numa tentativa de fugir da realidade atual. Sua mãe tenta ligar pra ela, notando a sua falta, e ela não atende: desintegra-se então a ilha da Família. Tomada por ansiedades e medos, as ilhas, uma a uma desaparecem, causando muita dor à Riley. Esse é o processo de amadurecimento, doloroso na maioria das vezes.
Alegria e Tristeza unidas
A Alegria tenta ir sozinha à sala de comando, pois acha que a Riley não precisa ficar triste agora, mas um acidente ocorre e ela e o Bing-Bong acabam caindo numa grande cratera, a do esquecimento. É aí que a Alegria tem oportunidade de olhar de perto a memória-base sobre o campeonato de Hockey e percebe algo que a faz mudar de idéia sobre a Tristeza: a Alegria vê não só a parte feliz da memória, mas percebe que foi através da Tristeza que ela pôde receber o consolo e o carinho de seus pais e elaborar-se. A Alegria chora… como se parte da Tristeza também estivesse dentro dela e ela agora pode compreender tudo com mais clareza. É hora de reunir as forças para conseguir sair do esquecimento, mas infelizmente é necessário que o Bing-Bong, o último elo com a infância, seja deixado pra trás. A infância acabou e a Tristeza, sozinha no inconsciente, tenta fugir para que ninguém a encontre, mostrando o distanciamento emocional da Riley.
De volta a sala de comando
Usando todos os recursos possíveis, Alegria busca a Tristeza e ambas conseguem retornar à sala de comando para colocar tudo em ordem. A Nojinho pede a Alegria para consertar o painel de controle, mas a Alegria pede a Tristeza pra colocar tudo em ordem, entendendo finalmente o papel dela na elaboração das nossas emoções. A Tristeza então simplesmente retira a luz da idéia de fuga do painel controle e a Riley “acorda” do seu estado…
Quando a Tristeza faz a diferença
É o contato de Riley com a Tristeza que acaba com a revolta e a fixação do plano de fuga. Ela desce do ônibus e vai pra casa, encontrando seus pais aflitos com o seu sumiço. A Alegria então age de forma espetacular: dá à Tristeza as memórias-base e todas passam a ficar da cor azul, agora impregnadas com um novo significado. Riley então pode expor seus sentimentos aos pais e chora dolorosamente. Consegue falar a eles os motivos de sua tristeza e só assim pode receber a empatia e conforto de que tanto precisa. Ela então sai da solidão e encontra conforto na família. A Tristeza pega a mão da Alegria e juntas comandam o painel de controle, criando um misto de emoções, pois é na hora de maior tristeza na vida da Riley que ela se vê feliz novamente.
Uma nova fase
Começa-se então a fase da adolescência e novas ilhas aparecem, mais complexas, assim como o painel de controle que agora está bem maior e conta com um novo botão chamado puberdade. Surgem também novas memórias, coloridas, justificando a complexidade e a riqueza das emoções.
Agora a Riley começa a entender a realidade de outra forma, entende os motivos que fizeram sua família a mudar de cidade, reequilibra as amizades e a família ganha uma nova dimensão, mais unida que nunca.
Podemos nos identificar muito com o filme através da empatia, que é a habilidade de nos colocar no lugar do outro. Através da Riley a gente pode se auto-reconhecer e lembrar de vários momentos em nossas vidas em que reagimos de forma semelhante. Quem não se lembra da própria adolescência e como é doloroso passar por ela?
Já vi o filme umas cinco vezes, pelo menos, e cada vez que assisto descubro algo novo. O Roteirista foi muito feliz ao escolher as cinco emoções principais e pela maneira que ele mostra o luto da perda (da infância), o início da adolescência e o turbilhão de emoções que nos invade. Mas a forma pela qual ele deu um papel especial à Tristeza em nossa vida, realmente fez a diferença.
Espetacular! Vale muito a pena ver! Sei que vão gostar!